Comecei o dia muito mal em meu quarto. A única roupa que
consegui encontrar limpa fora uma regata e uma calça verde. Estava horrível,
mas não tinha tempo para mudar de roupa.
Meu pai me deixou no lugar de sempre, ou seja, a cinco metros
do estacionamento do colégio.
Bel praticamente seria a única do colégio que falaria comigo
em meu segundo dia de colegiado. Ela e seu amigo avatar. Ele não era normal,
mas divertido.
Assim que cheguei ao corredor ela me seguiu ate o armário.
-Não vamos começar o dia falando sobre o garoto do corredor
vamos? – ela estava com a voz doída como se aquilo causasse dor nela.
-Não – mas eu não havia jurado.
Seguimos para a sala de aula. O primeiro horário seria mais
torturante do que qualquer um. Assim que se iniciou eu notei que seria assim.
Mas há quase cinco minutos depois algo interessante aconteceu.
O garoto lindo foi mandado para a diretoria – não estava feliz por isso – mas o
ponto positivo foi que ao passar de frente a minha sala ele olhou para mim. E
ele era tão lindo que quase me derreti. Logo depois a professora fechou a porta
e não pude mais fitá-lo.
Fora isso nada mais de interessante aconteceria.
-Bem vamos tentar nos concentrar na sala de aula, tudo bem? –
sabia que ela estava falando comigo, mas foi meio impossível.
A aula foi chata, tediosa e a professora mais exigente do que
ontem ou do que seria durante toda semana – ao menos ela não era como o
professor Claude. Também não sabia que teríamos duas aulas seguidas na semana
de linguagens ou inventaria algo para ficar em casa.
-Mia acorde quase esta dormindo – Bel estalou os dedos a
frente do meu rosto.
-Desculpe é que...
-Historia geral não é nem um pouco interessante não é?
-É eu estava um pouco longe daqui, devo admitir.
-A diretoria não é tão longe daqui – ela observou – Você
prometeu.
-Eu não estava pensando nele realmente. Alem do que nem o
conheço.
-Mas o viu e é o suficiente. Muitas de nós ate sonharam com
ele, acredite, mas não vale a pena.
-Acabou de dizer que sonhou com ele – ri com a idéia. Ela não
parecia ser o tipo de pessoa que sonhava com garotos, talvez com hambúrgueres –
Ele já saiu com você? – pensei no assunto.
-Já saiu com todas as garotas que o chamaram.
-Ele é um pegador?
-Não, mas... Você não entenderia.
-Tudo bem, então se eu o chamar...
-Ele vai aceitar, mas quer me ouvir, por favor? – ela implorou
– Não é uma boa.
-Tudo bem! – tentei me defender – Mas ainda não entendo o
porquê não posso nem falar com ele.
-Pense como se fosse um aviso prévio tudo bem? Só quero te
proteger de más pessoas aqui.
Assim que o horário bateu seguimos diretamente para o
refeitório. Observei que ele estava no mesmo lugar de ontem, não havia ninguém
sentado com ele. Apenas o observei de longe, ele estava procurando por algo e
assim que encontrou meus olhos ele acenou.
Estava meio confusa e certifiquei-me que era comigo então
acenei de volta discretamente. Ele voltou-se ao seu livro.
Não sabia o motivo por ele ter ido à diretoria e também não
sabia se queria conhecer esse motivo. Não devia ter sido nada demais.
Fui para casa. Bel veio comigo, dessa vez eu a convidara.
Notei que poderíamos ser melhores amigas uma vez que ao conversarmos quando
vínhamos ate minha casa, descobri que tínhamos muitas coisas em comum. Não
teria outra mesma.
Pelo resto da tarde não teríamos mais nada a fazer. Estava
começando a sentir saudade do refeitório, quer dizer ao menos lá eu podia ter
uma boa visão.
-Olá Mia! Que bom que trouxe uma amiga, mas podia me avisar –
mamãe sorriu para Bel.
-Desculpa, é que achei que não ligaria.
-Claro que não, mas eu podia me preparar melhor. Quer dizer,
veja como esta à cozinha...
Tive medo de olhar, mas mesmo assim o fiz, apenas para
descobrir que literalmente minha mãe não era a mulher da casa. Somente meu pai
e eu íamos à cozinha, cozinhar de verdade. Minha mãe tentava não fazer tanta
bagunça.
Seguimos diretamente para o meu quarto. Ao menos nisso ela era
muito boa e tudo estava em perfeitas condições.
-Por que não damos uma volta pela cidade? Você precisa
conhecer tudo por aqui – Bel optou – Poderíamos...
-Ir a uma lanchonete, por que suponho que não tenhamos almoço
hoje – protestei.
-Isso! Poderíamos fazer compras, sabe como é – ela olhou fundo
meu armário de roupas e negou com a cabeça – Você precisa dá uma tapa no seu
visual.
-Gosto das roupas que tenho, mas é uma boa idéia para sair de
casa.
-Então vamos – ela mexeu no bolso de trás da calça surrada –
Tenho sessenta dólares e um chiclete.
-Vamos!
Passei na cozinha antes de sair. Não poderia fazer compras sem
ter ao menos dinheiro.
-Aonde vão? – meu pai parecia saber cada passo que eu daria.
-Fazer umas compras.
-Ah! Espere um minuto – ele retirou da carteira duzentos
dólares e me entregou – Boas compras!
-Duzentas pratas? Não quer ser meu pai, não?
-Vamos Bel.
Ela me guiou pelas ruas de Nova York. Paramos em uma lojinha
muito agradável que vendia sapatos. Havia muitos bonitos e altos, mas nenhum
que me incentivasse a gastar duzentos dólares. Mesmo assim Bel adentrou a loja
e tive de segui-la. Ela experimentou mais de vinte sapatos e no fim levou
apenas um tênis.
-Serio? – perguntei quando saímos da loja.
-Não gostou não foi? – ela já os estava usando – Também gostei
mais do preto.
Passamos em varias outras lojas e só o que conseguira me
interessar fora um jeans preto com tachinhas nos bolsos. Parecia muito rock, mas
eu gostei.
No caminho de volta para casa consegui encontrar uma camiseta
que caiu muito bem com a calça. Bom! Fazendo a conta eram duas compras e o
resto do dinheiro de Bel fora desperdiçado em chicletes.
-Aonde vai? – Bel quis saber.
-Para casa as compras acabaram.
-Sim, mas ainda há lugares... Clássicos que podemos ir.
Ela segurou minha mão e começou a me puxar. Atravessamos um
sinal vermelho com tanta velocidade que nem o som poderia nos atropelar –
exagero meu.
Chegamos a uma praça publica. Havia muitas pessoas por ali e
podia dizer que aquele lugar era aonde elas iam para fazer o que não tinham
direito em casa.
-Por que viemos aqui? – perguntei.
-Só quis te fazer um favor – ela apontou para uma direção e
segui-a – Ele sempre esta lá lendo aquele livro, parece meio sinistro.
Observei-o e ele parecia gracioso ate mesmo lendo um livro.
Como se soubesse exatamente onde eu estava ele olhou na minha direção e acenou.
Escondi-me rapidamente.
-Ele ainda esta olhando? – quis saber. Podia apostar que
estava ruborizada.
-Não, mas isso foi estranho.
-O que? – não fazia idéia do que ela estava falando.
-Ele olhar na nossa direção, exatamente na nossa direção – ela
quase gritou.
-Ele ainda esta olhando? – perguntei novamente.
Ela levantou-se vagarosamente e olhou através do arbusto. Seu
olhar de espantada me sugeria que ele ainda estava olhando para cá, mas ao
conferir ele já não estava mais lá.
-Deve ter se sentido incomodado – comentei.
-Sei!
-Vai ver ele sentiu olhos em cima dele, isso acontece o tempo
todo – tentei convencê-la. Alem do que ele não olhou diretamente para nós, ele
nos procurou.
Segui para casa desta vez. Assim que passei pela porta da
minha casa avisei:
-Estou no meu quarto, mãe.
-Tudo bem querida – não acreditava que ela ainda estava
tentando limpar a bagunça.
Bel e eu seguimos para o meu quarto. Não notei, mas o trabalho
que meu pai fazia era muito rápido. O carpete preto já estava posto em seu
lugar.
Ainda estava um pouco nervosa por causa do que acontecera na
praça, mas fora só uma coincidência.
-Legal, não tinha notado o quanto é...
-Legal? – ela assentiu – Ainda não esta como eu quero, mas meu
pai tem que se estabilizar. Sabe como é?
-Não, nunca precisei me mudar – ela comentou – O que quer
fazer antes de amanha? – ela parecia querer esquecer o que havia acontecido ou
talvez já se esquecera.
-Não sei há algo para se fazer?
-Podemos... Ou... Não, acredito que nem mesmo as compras deram
um jeito nesse tédio – ela deu de ombros. Quando estava prestes a sentar-me de
frente ao computador ela se alterou – Podemos passar trotes.
-Não, não é uma coisa que eu faria.
-Qual é? Você tem mesmo que bancar a certinha?
-Liberdade também possui limite.